Imensa Mamãe

Uma construção metafórica, escrita como carta, sobre a adolescência e o processo de individuação no desenvolvimento humano. A criação, para o autor, é ficcional, mas carrega inegáveis elementos da história real de outrem.

James Neddermeyer

10/30/2025

a man riding a skateboard down the side of a ramp
a man riding a skateboard down the side of a ramp

Mineiros, 21 de setembro de 2008.

Imensa Mamãe,

Porventura tenho culpa por te culpar por algo para o qual não há culpado?

Percebo que a resposta para o meu questionamento já reside no próprio ato de questionar, pois se não há culpado, não há culpa. Engraçado notar que, mesmo após anos de autodescoberta, após aprender a nomear tantas novas sensações e de me flagrar tantas vezes vulnerável frente a autoridade do mundo real, ainda existem outros inúmeros aspectos deste imenso universo que desconheço totalmente e, ainda que residam em minha própria carne, algumas emoções se apresentam a mim como ingratas incógnitas.

Viver na minha pele pelos últimos anos foi um árduo desafio existencial, que se agravou ainda pelo desconhecimento de que era neste enredo desafiador em que eu estava inserido. Senti no peito o poder para conquistar impérios e na pele a impotência das minhas ideias. Assumi com muito gosto os riscos mais irresponsáveis em que pude pensar e senti na pele os desdobramentos das minhas escolhas.

Doeu, mas mesmo assim, teimosos como somos você e eu, segui insistindo em optar pelo exato oposto do caminho ditado por aqueles que não viveriam a minha vida, mas que se sentiam no direito (ou dever) de estabelecer o meu lugar de colocar os pés. Tentei gritar para o mundo que eu não era capaz de reconhecer o meu reflexo no espelho e senti na pele os alfinetes da sociedade me pressionando a delinear detalhadamente o caminho por onde trilharia a minha história esperada.

Vivi angústias internas e externas; ressenti-me do mundo, das pessoas e de mim mesmo; por muitos momentos desejei, em face dos contornos tão disformes do mundo, vivendo em uma pele tão maltratada, que não houvesse vida ou que pelo menos a minha se findasse ali. Cansado de não saber, de não pertencer e de não entender, culpei você, imensa mamãe.

Você me carregou no colo até onde estavam as minhas maiores angústias e eu não tive medo, porque sabia que ninguém poderia superá-la em grandiosidade.

Contudo, ao chegarmos no local do meu sofrimento, você se transformou, deixou de lado o exoesqueleto que sempre idolatrei e me mostrou a sua carne, seu lado mais torpe e salgado.

Naquele antro de dolorosas descobertas, perdi lentamente, aos montes, severos pedaços de mim.

Mas aquele tempo passou e, com a chegada de uma nova era, novas informações saltaram aos meus sentidos. Ao conseguir afrouxar o aperto das mãos da angústia no meu coração, pude perceber que meus contornos estavam ligeiramente mais nítidos e, tendo desenvolvido um novo nível de paciência no meu julgamento, busquei compreender o que havia acontecido comigo.

Vi então quantas perdas eu sofri, quantos pedaços de mim deixei ornamentando os trilhos do meu desenvolvimento e fiquei dolorosamente chocado quando descobri que você, imensa mamãe, chorou comigo durante todo esse tempo. Enquanto eu a via como o carrasco odiado por sua insensibilidade, você perdia junto comigo cada um dos meus pedaços.


Eu precisava me diferenciar de você e precisei te odiar para que pudesse me separar, mas agora que aquele tempo repousa nas vitrines do passado, percebo-me orgulhoso e satisfeito pelas
evidentes semelhanças entre nós. Além disso, aquela culpa, aquela culpa que tão rancorosamente despejei sobre você, transformou-se no reflexo das injustiças que um coração desesperado pode cometer, servindo como um lembrete de que, quando vivemos o processo de ser humano, há sempre uma invisível variável se abrigando sob a pele.

De contornos renovados,

James Neddermeyer.